Terceiro Capitulo da série: Biografia de Walt Disney

Walt Disney e Mickey Mouse

Confira o Primeiro e o Segundo capitulo da série

Primeiro Capitulo: A Fuga part. 3

Casa onde a família Disney viveu no Kansas CityCasa onde a família Disney viveu no Kansas City.

Para Elias, a mudança para Kansas City foi outra admissão de derrota. Se Kansas City foi um declínio em relação a Marceline, a casa que fora morar também desapontou. Era tão pequena que, quando os parentes os visitavam, Toy e Walt tinham de ir para o que chamavam de “celeiro”, um abrigo do lado de fora. A única graça para as crianças, lembrou Ruth, era a proximidade do parque de diversões Fairmount, “um mundo encantado em que não se podia entrar”.

E se a cidade e a casa representavam um declínio, o emprego de Elias era ainda mais humilhante. Ele se inscreveu no guia de Kansas City como “guarda-livros”. Na verdade, vendera a fazenda em Marceline e comprara uma distribuidora de jornais em Kansas City. Se Elias se envergonhava ou não de entregar jornais, ou se existiria alguma vantagem comercial nisso, o fato é que inscreveu o filho Roy, de 18 anos, como dono da empresa.

Os clientes pagavam 45 centavos por semana por 13 edições do matutino Times e do vespertino Star, dos quais Elias ficava com 21 centavos – cerca de US$ 31 dólares por semana. A distribuidora não era apenas um meio de ganhar a vida – ela se tornou o estilo de vida dos Disney, já que tudo o mais estava subordinado à entrega dos jornais.

Com apenas nove anos de idade, Walt ficava preso à distribuição dos jornais. Nos dias de semana, levantava-se cedo, no escuro, para pegar sua cota de 50 exemplares e entregá-los no primeiro ano a pé, no segundo, de bicicleta. A principio, Walt ficou entusiasmado com a distribuição de jornais. Disse que gostava de ver os homens que cuidavam dos lampiões de rua desligarem o gás todas as manhãs enquanto ele entregava os jornais e acendê-los novamente durante a tarde. Mas seu entusiasmo se evaporou rapidamente. O star concedera a distribuição a Elias com relutância, temendo que estivesse velho demais, e ele estava ansioso para não desapontar o jornal.

Walt Disney tinha de subir o caminho da entrada de todas as casas até a porta. Às vezes, um cliente não via o jornal entre as duas portas, e Elias tinha de mandar Walt entregá-lo novamente. Foi pior depois que Roy se graduou no secundário e largou a entrega de jornais para trabalhar em um banco, e Walt assumiu a clientela do irmão. Elias contratou vários outros garotos, mas, com frequência, não eram confiáveis e, uma vez mais, Walt era despachado para entregar os jornais nas casas que os garotos haviam ignorado, e foi assim que convenceu o pai a lhe dar uma bicicleta.

A esse cenário de trabalho duro à Dickens (escritor inglês  que retratou as duras condições de trabalho de mulheres e crianças durante a Revolução Industrial na Inglaterra) somava-se o fato de que Elias ficava com o dinheiro que Walt ganhava vendendo seus próprios jornais no bonde e o investia, de forma que, além de tabalhar como entregador da farmácia, o garoto começou a trabalhar em uma loja de doces durante as férias para ganhar dinheiro e comprar mais jornais para vender sem o conhecimento de Elias. ” O resultado é que trabalhava o tempo todo”, Walt Disney disse a um entrevistador. “Quer dizer, eu não tinha uma hora em que pudesse brincar”. Qualquer folga que tinha para brincadeiras era roubada a entrega de jornais.

Além da opressão do roteiro de entrega dos jornais, havia a humilhação de, ao menos no início, ela mal prover dinheiro suficiente, forçando os Disney a complementar sua renda. Durante o verão, Walt também entregava entradas de cinema e vendia sorvete no roteiro, e Elias combinou com os laticínios McAllister, de Marceline, que lhe enviassem manteiga e ovos, para que fossem revendidos para os clientes de jornal. E, quando estava muito doente para fazer entregas, Elias fazia Walt faltar à escola  para que ele e Flora cumprissem as entregas.

Escola BentonEscola Benton, onde Walt Disney estudou – Kansas City

Elias sempre pagava suas contas em dinheiro e nunca devia dinheiro a ninguém, e tentou impor aos filhos a mesma austeridade financeira. A frugalidade, a disciplina, o silêncio e a recriminação sempre foram componentes da personalidade de Elias Disney, orgulhava-se de sua moralidade severa. Walt considerava o pai tão distante e teimoso que mal falava com ele. Como observou um colega de infância de Walt: “Toda a família Disney me parecia distante e inflexível”.

Em Kansas City, no entanto, Elias tornou-se ainda mais mal-humorado e indiferente. Ele, já com 55, anos, perdia suas forças. O declínio também podia ser visto em seu estado de espírito. Desistiria do violino, sua única diversão, quando cortou a mão em uma corda e não conseguiu mais segurar o instrumento. Walt dizia que o temperamento de Elias era “violento” e que não se podia discutir com ele sem desafiar sua ira.

Elias parecia ainda mais zangado após a mudança, e depois de outro desapontamento, e Walt, ao menos de seu próprio ponto de vista, tornou-se o principal alvo da raiva do pai. De fato, à medida que crescia, Walt Disney se tornava a antítese de Elias Disney, quase como se forçasse a si mesmo a ser assim como uma forma de rebelião. Enquanto Elias era tristonho, Walt, apesar de suas dificuldades e queixas, era alegre. Não era apenas o espírito brincalhão de Walt que contrastava com a severidade do pai. Enquanto Elias trabalhava duro e era dominador, Walt era cheio de entusiasmo. Até Elias concordava que Walt “fazia o que queria sem nunca pensar nas consequências. Sempre tocava suas ideias adiante quer dispusesse de meios ou não”. Roy dizia que Walt sempre dava toda a sua atenças à pessoa com quem estivesse falando, o que “passava a impressão de um profundo interesse pessoal”

Quebrado de tanto trabalhar, Elias era agora derrotado dentro da família também. Walt nunca foi próximo de Herbert ou Ray, que haviam deixado a casa paterna anos antes, embora ambos vivessem em Kansas City, e se referia a eles como “estranhos para mim durante toda a minha vida”. Roy e Walt desenvolveram uma relação muito íntima, tão próxima que Walt parecia vê-lo menos como irmão que como um pai substituto, confiando nele como nunca poderia confiar em Elias. Roy assumia de boa vontade o papel de pai, sentindo-se tão próximo de Walt quanto este se sentia dele.

Walt encontrava alívio fora da família, duas portas acima na rua. Os Pfeiffer eram, segundo Walt Pfeiffer, “a verdadeira família” de Walt. Na verdade, os Pfeiffer “adotaram” Walt, que escapou para dentro dessa família. Walt conheceu Walt Pfeiffer no quinto ano da escola Benton, antes mesmo que os Disney tivessem se mudado para o mesmo quarteirão em que viviam os Pfeiffer.

Na casa dos Disney, Elias, achando que Walt se tornaria músico, insistia em lhe dar aulas de violino e lhe dava um tapa no ombro quando o filho errava. Mas o que era motivo de punição na casa dos Disney, era razão de alegria na casa dos Pifeffer. A irmã de Walt Pfeiffer, Kitty, tocava piano enquanto os outros cantavam, e acompanhavam seu irmão e Walt quando os dois encenavam seus quadros cômicos.  No quinto ano entrou na sala como Abraham Lincoln. Ele tinha decorado o discurso de Gettysburg para recitar. Deliciado, o professor de Walt disse que ele seria um ator – “porque eu semicerrava os olhos em certas passagens” – e chamou o diretor, que, então, exibiu Walt em todas as salas de aula.

Walt e Disney e Walt PfeiffeWalt e Disney e Walt Pfeiffer, ambos vestidos de Abraham Lincoln

Logo os “dois Walters maus”, como Pfeiffer e Disney chamavam a si mesmos, estavam atuando rotineiramente na escola. Com o sr. Pfeiffer ensinando-lhes e ensaiando-os começaram a entrar nos concursos de talento realizados no cinema local. Mesmo sendo o ato amadorístico, e aplaudido, tanto pela juventude quanto pelo talento, Walt Disney se viu fisgado pela atuação artística – físgado pelo prazer de representar, como fora fisgado em Marceline pelo reconhecimento de seu talento para o desenho.

Durante a maior parte do seu tempo, no entanto, o jovem Walt Disney estava isolado em seu próprio mundo – longe do roteiro de Elias e da escola. Os Pfeiffe e as representações proviam uma fuga para os aborrecimentos. O desenho continuava a representar outra, mais forte ainda. Ele nunca parou de desenhar. Sempre disposta a encoraja-lo, Daisy Beck, sua professora, fez com que desenhasse cartazes para os eventos escolares, e Walt Pfeiffer disse que Walt começou a fazer anúncios de desenhos animados em painéis de vidro para o cinema Agnes. Desenhava mesmo que nem sempre fosse socialmente aceitável desenhar. “Era meio efeminado um cara desenhar”, admitiu Walt Pfeiffer, mas isso não deteve Walt Disney. Ele desenhava, e desenhava bem para um garoto de sua idade.

E não foi somente na escola Benton que Walt atraiu atenção para sua arte. Ele costumava passar algum tempo numa barbearia, onde desenhava caricaturas preguiçosamente impressionando, o proprietário, Berr Hudson. Mais importante que o dinheiro para Walt, Hudson pôs os desenhos em uma moldura especial e pendurou-os na janela. Até Elas admitiu que os desenhos se tornaram uma atração: “Os vizinhos iam até a loja para ver o que o jovem Disney tinha feito para aquela semana”.

Exatamente quando contemplava a possibilidade de uma carreira como artista e recebia elogios por suas representações, Walt começou a pensar em ser cartunista de jornal. Ele disse ao Kansas City Journal Post quase 20 anos depois. “Eu realmente acho que foi o que iniciou minha carreira de artista”

Desenhos de Walt DisneyUm dos desenhos de Walt Disney

Então, Elias Disney escapou novamente. Durante anos vinha investindo seu dinheiro em uma companhia de geleias e sucos de frutas de Chicago, chamada O-Zell. Em março, vendeu o roteiro de entregas de jornais e comprou cotas adicionais da O-Zell, com  a companhia, obviamente sentindo que, dessa vez, poderia, finalmente, encontrar o sucesso que fugia dele há tanto tempo. Aos 57 anos, esta seria, quase certamente, a última chance que teria de rivalizar com o irmão. Walt, por sugestão de Roy ou Herbert, assinou um contrato com a Van Noyes Interstate News Company e passou o resto do verão como vendedor de jornais, doces, refrigerantes e tabaco para os passageiros do trem de Santa Fé, na viagem entre Kansas City e Spiro, em Oklahoma. Dois meses depois pediu demissão.
Nessa altura, Roy havia partido. A América entrou na I Guerra Mundial na primavera daquele ano, e Roy ingressou na Marinha apenas 14 dias depois da formatura de Walt, que também foi embora no verão, para reunir-se aos pais em Chicago.

Em Kansas City, Walt Disney não apenas começou a direcionar sua fuga; ele começou a criar a própria indentidade Walt Disney – a ideia de alguém que venceu a pobreza, as dificuldades e a indiferença.

Continua…

Fonte: Walt Disney – O triunfo da imaginação Americana de Neal Gabler, Editora Novo Século.

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